Conforme consta da Nota técnica da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal – “a respeito do substitutivo ao Projeto de Lei nº 1.876/1999, apresentado pelo Deputado Aldo Rebelo à Comissão Especial destinada a proferir parecer sobre o referido PL, que altera o atual Código Florestal, Lei n.º 4.771/65”, se acatadas as sugestões do relator, séries de flexibilizações a respeito das legislações de proteção ambiental serão conduzidas.
Essas alterações não atendem aos interesses populares, pelo contrário, servem aos interesses das elites econômicas. Na mais rasa das análises, o processo político de proposição dessas alterações e o diálogo com os diversos setores sociais são insuficientes e dissonantes da complexidade política e social brasileira – tão pouco são esperados do governo condutor do projeto político que tanto avançou a democracia participativa no Brasil.
Fortalecer a agenda financeiro-elitista do projeto desenvolvimentista, em detrimento das agendas populares e do diálogo com a sociedade, é afastar o povo do processo de amadurecimento democrático brasileiro e privá-lo do acesso à justiça e a seus direitos – a luta contra as mudanças no código florestal, pra muito além de uma luta ambientalista, deve ser compreendida como uma luta pela soberania popular e dos valores democráticos.
Confundem-se as noções de qualidade e quantidade, sob a égide do desenvolvimento sustentável, que aponta como rumo o crescimento econômico desenfreado e o uso à exaustão dos recursos naturais. É preciso que a agenda financeira seja superada pelos reais interesses e necessidades do povo brasileiro, como diretrizes para condução das ações do governo federal e para consolidação das políticas públicas nacionais, na direção de sociedades sustentáveis.
Estes são argumentos suficientes para sustentar o caso das alterações no Código Florestal como fértil exemplo dos desafios democráticos brasileiros – o modelo político e o elitismo democrático brasileiros são alicerces da injustiça e da desigualdade social, na medida em que esse sistema não é capaz de assimilar a participação, os interesses e as demandas de toda complexidade da malha social brasileira, ao mesmo tempo em que favorece a super-representatividade de determinados setores sociais.
2.1 A exploração dos recursos naturais e a exploração do trabalhador
O modelo político brasileiro, em especial por suas dinâmicas de financiamento das campanhas eleitorais, produz questionáveis resultados, sob a perspectiva da qualidade e da diversidade da representação.
Essas dinâmicas, por um lado, marginalizam do processo político ampla maioria dos segmentos e classes sociais e, por outro lado, serve à manutenção do poder das elites econômicas. Setores econômicos ligados ao agronegócio e ao latifúndio, à mineração, à construção civil, à produção de energia, às industrias etc. notadamente possuem ampla participação no parlamento brasileiros.
Estes mesmos setores que dominam o centro democrático de poder no país, são os setores que, às custas da exploração das relações e condições de trabalho e da opressão ao trabalhador, operam e definem os rumos da exploração e gestão dos recursos naturais – e, portanto, dos impactos desse processo. Tão maior será a geração de impactos ambientais quanto maior for a capacidade produtiva e transformadora destas atividades econômicas - e estas são limitadas pela capacidade de exploração do trabalhador.
2.2 O Código Florestal
O Código Florestal brasileiro foi instituído pela Lei Nº 4.771, de 15 de Setembro de 1965 - (D.O.U. DE 16/09/65) e aponta um conjunto de definições e diretrizes a respeito das políticas nacionais com relação às florestas brasileiras.
O Código Florestal é a principal forma de regulação de uma ampla gama de atividades econômicas, em direto contato com a exploração dos recursos naturais e, em geral, ligados à exploração do trabalho. Em outras palavras, seguindo a linha de raciocínio aqui proposta, a legislação ambiental inaugurada pelo Código Florestal é uma das formas que o Estado pode e deve utilizar para regular as correlações entre os diferentes setores sociais, para proteger setores vulneráveis e para garantir a universalização do acesso aos direitos.
Num parlamento em grande parte ocupado pelos detentores do poder econômico, cabe às esferas judiciárias e executivas zelarem pela manutenção do processo democrático no Brasil. Por de traz dos argumentos desenvolvimentistas, da geração de trabalho, da capacidade produtiva do pequeno agricultor etc., está o poder econômico da lógica capitalista.
2.3 Cidadania, soberania nacional e o papel do Estado
O Brasil vive hoje uma importante etapa de seu processo de amadurecimento político e democrático. Processo esse que se inicia na década de 50 e é interrompido com o levante militar em terras brasileiras e pode ser compreendido como importante momento de ampliação dos direitos e de afirmação nacional, passando pelo momento de incorporação dos tidos “novos direitos” e culminando no cenário atual de intensificação democrática.
Avançar nesse processo, garantindo ao povo a educação e as oportunidades necessárias para se fazerem presentes no contexto político brasileiro é romper com a construção elitista de nosso modelo político – é, ainda, a única forma de tornar possível a garantia dos direitos universalizados. O processo de afirmação da soberania nacional deve ser um processo de afirmação da soberania e da cidadania popular – do contrário, será a apenas afirmação da soberania desenvolvimentista globalizada aos interesses da nação.
A paráfrase de Manuel Bonfim, em seu livro “América Latina – Males de Origem” de 1906, aguça a percepção a respeito:
Os grandes males brasileiros estão ligados à exclusão do povo brasileiro do processo político nacional.
Submetem o povo a um regime de analfabetismo e de ausência de cuidados, somado à dinâmicas racistas, que colocam o pobre marginalizado como ser involuído e, portanto, incapaz de participar do processo político.
A ausência de direitos políticos está ligada à desigualdade social, à falta de cidadania dos brasileiros e às injustiças sociais.
3. Conclusão
De modo lógico, avançar no processo de democratização brasileira, garantindo aos setores economicamente marginalizados acesso às decisões políticas, à representação e à efetiva participação é não só transformar as relações sociais de poder, como também transformar as noções de direito e cidadania, bem como os vínculos desta nação com os desafios ambientais do milênio e com as futuras gerações – absorvendo a idéia de sociedades sustentáveis à condução do processo político nacional.
Como base de sustentação para esta concepção encontra-se a resignificação da exploração do proletário – aquele que originalmente era caracterizado por ter tolhida de si a produção de seu trabalho, pode contemporaneamente ser caracterizado também pela usurpação da propriedade intelectual, da saúde e, principalmente, de seus recursos naturais e da segurança ambiental.
Apenas o papel firme do Estado, na manutenção do equilíbrio entre os diferentes setores sociais pode garantir a justiça social no país. A reforma do sistema político e a regulação cuidadosa das atividades econômicas é rumo certo na consolidação deste protagonismo cidadão universalizado.
Thiago Alexandre Moraes
4. Referências bibliográficas
[1]. JUAREZ GUIMARÃES, A trajetória intelectual de Celso Furtado.
[2]. JUAREZ GUIMARÃES, As culturas brasileiras da participação democrática.
[3]. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, Lei nº 4.771, 17 de Setembro de 1965.